12 de fevereiro de 2009

Caçadores de Tempestade

A imensidão do deserto arrepiou os curtos fios de cabelo da nuca de Ember. Em todas as direções que se voltasse o olhar, a terra era árida e pálida, e um tremor que subia dela podia ser visto em quase todos os lugares. O calor era nauseante, mas suportável. Estranhamente, o céu estava muito nublado, mas metade dele estava limpo e livre para a invasão dos raios solares.

O Chevrolet Chevette preto e modificado ia a duzentos quilômetros por hora na única estrada de asfalto que cortava aquelas terras desoladas. De meia em meia hora, Ember notava grandes placas verdes em armações de aço sobre a pista, indicando que cada vez mais se aproximavam de Malcolm Hills, Fonte Bridget e outras cidades mais. Mas nenhuma parecia chegar, e por mais rápido que fossem, a distância parecia ser encurtada minimamente. "Paciência", pensara Ember.

Ao seu lado, dirigindo o veículo, estava Haroldo Bastos, um velho vigoroso, de mãos fortes e tatuagens ferozes pelos dois musculosos braços. Era calvo, e os cabelos cinzentos ficavam muito lisos por causa do vento incessante que entrava pela janela. Seu olhar, na maior parte das horas, se dirigia sempre ao horizonte, na expectativa de que surgisse algo ou alguma coisa, expectativa que ele tentava conter com os muitos cigarros que fumava e com a música que saía do antigo aparelho de som do carro. Nesse instante, ecoava no ar "Heat Dies Down" do Kaiser Chiefs em um volume próximo do estridente; mas ele não se importava. Embers não gostava muito dessas músicas antigas. Mas o velho insistia. "Música boa é música velha, não o barulho de hoje, filho". Lá fora, a paisagem monótona parecia imutável: apesar das muitas nuvens, nada chovia, e mesmo o sol estava estranho. De alguma forma. O braço direito de Ember balançava preguiçosamente pela janela, ao sabor do vento forte, que rugia. Usava uma jaqueta e calça de couro vermelhas que destoavam da atmosfera do interior do Chevette 78, muito sóbrio e discreto.

- Emby, pela última vez, tire a porra do braço da janela. - Rosnou o velho Haroldo, sem desviar os olhos da pista.
- Dodô, pela última vez, pare de me chamar de Emby, maldição. - Devolveu Ember, obedecendo imediatamente o que lhe foi pedido, apesar do mau-humor.
- Foda-se. - Grasnou o velho, rindo alto. Parou abruptamente: - Chame Dodô e arranco sua língua com minhas próprias unhas roídas, seu verme. - E deu uma risada esquisita, meio tosse meio sorriso.
- Perdão, Sr. Bastos. - Desculpou-se Ember, de modo não muito convincente, e encostou-se mais na poltrona. Aquele deserto era sem fim.

- Não se canse antes da hora, moleque. Sinto que está perto. Muito perto. - Consolou Sr. Bastos, dando uma piscadela com o olho e fungando com força. Pareceu cômico vê-lo abrir as narinas de tal forma que parecia querer cheirar todo o ar do mundo, mas essa era uma das habilidades mais admiráveis em Haroldo Bastos: ele sabia farejar como nenhum outro os Corcéis. Ember não resistiu, e começou a gargalhar estrondosamente, até seus óculos escuros espelhados caírem no seu colo. O Sr. Bastos pareceu não entender, e continuou fungando, enquanto lágrimas escorriam pelo rosto de Ember, que se contorcia e sufocava com o riso entalado na garganta.

De repente, o velho se virou bruscamente para a estrada, com um olhar completamente diferente: olhos de caçador à espreita. Suas feições se enrijeceram e sua barba branca pareceu imune ao vento. Ember logo parou de rir, e ainda afagando o estômago, colocou novamente os óculos e aguçou os sentidos. De fato, um cheiro de chuva, leve e inebriante, levitava pelas lufadas de vento, vindas de não se sabia de onde, mensageiro de tempestade. Algo que parecia surreal e impossível no meio do deserto, mas que estava lá. A fragrância do orvalho, não só da manhã, mas da tarde e da noite, um orvalho que nunca secava e que resplandecia mesmo na mais escura das madrugadas de inverno. O que ali poderia ter apenas um significado.

- Veja Ember. Veja com esses malditos olhos jovens. - Disse o Sr. Bastos, fascinado.

E Ember viu, tirando os óculos espelhados logo após colocá-los. As nuvens que cobriam metade dos céus agora entravam em choque e gritavam muitos trovões sobre eles, e pingos de chuva esparsos começavam a cair, mas não passariam disso. Em um ponto à esquerda da pista de asfalto um vento escuro e nebuloso descia dos céus, confluindo em forma de cone de pó, uma espiral enlouquecida cinzenta com bilhões de tonalidades de azul, e fios de eletricidade esporádicos surgindo e sumindo ao seu redor. Quando finalmente atingiu o chão, o tornado mostrou-se em sua onipotência e majestade, exalando em sua ventania suprema faíscas brilhantes sobre o deserto e expelindo poeira infinita. De seu centro, surgia lépido um corcel vibrante e grandioso, cujas cores se indefiniam entre o cinzento chuvoso e o prateado estelar, que galopava como os próprios trovões nos céus de tempestade. Ou talvez fosse ele próprio que corresse veloz por sobre as nuvens e provocasse terremotos no ar, que o povo na terra acostumou-se a chamar de trovões, em sua ignorância inerte.

Tremores fizeram o carro balançar levemente, e logo o velho Bastos já ia a toda velocidade de encontro ao local da gênese do tornado, olhando obcecado para o cavalo que acabara de aparecer. Um botão escondido no painel do veículo foi acionado, e logo o carro quase voava, cuspindo pelo cano de escape um vapor límpido e trêmulo, ao invés da comum fuligem negra. Ember ia colocando os óculos lentamente, e degustava com prazer e medo a injeção de adrenalina que recebia naquele instante. "Que absurdo, capturar a própria tempestade", pensara. Tarde demais.

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