24 de junho de 2005

Filhos de Roma

Não que em vossas faces, filhos de Roma, podeis distinguir os infortúnios de vossa prosperidade, pois não conseguis. Que habilidoso oráculo haveria de prever tão alucinante idéia? Teu orgulho talvez não prevalecesse ante os desígnios de Jove. E assim se perdeu. Acalantai-vos uns aos outros, ao menos aqueles felizardos que ainda não se perderam na negritude carbonífera ou que ainda não se consumiram nas chamas crepitantes de meu reinado. Meus olhos vêem vossas mãos agonizantes tateando a fumaça em busca de abrigo: decadência vossa! A mim, cabe apreciar espetáculo tão sublime. Quando, em tantas festividades, houve alguma com tantos atores e tais efeitos teatrais? É possível que a negligência se aposse de minha vontade, mas não nesta cerimônia. Creio que das mais belas vozes a minha não alcance os melhores tons, embora meus dedos ainda consigam dedilhar tão bem quanto as fiandeiras de Minerva!

Quem senão tu, nobre Roma
Cavou feliz a cova própria
Tu que foste grande glória
E toma o de Cibele cálice?

Quem senão tu, divina Roma
Armou alegre a tumba própria
E cantou com voz contraditória
A soma final de teus tantos dias?

Queima, Roma, em gigante pira
Tuas colunas de mármore e leis
E reduza-te em cinzas. Ó, quereis
A tira da dor estender até a morte.

Que ironia do destino podeis notar! Tal fumaça de vosso sangue em vapor aquece minha garganta e dificulta o meu cantar. Não quereis minha elegia? Lembrais que apenas ao som de uma lira Cérbero há de descansar, ou será que vós desejais sofrer a mordida mortífera do cão tricéfalo? Acreditais, filhos de Roma, que mesmo nos domínios de Plutão e Prosérpina vossas carnes hão de sentir dor além de qualquer sofrimento e sensação. Portanto, aceitais esta elegia concedida de tão bom grado.

Ó espíritos que nas chamas
Acendem qual negro carvão
Escutai este que toca a canção
E chama bons augúrios até vós.

Preferis as mandíbulas severas
Do vil animal canino tripartido
Que jamais foi antes concebido
Mas que feras todas o temem?

Vossas fogueiras ardem, filhos de Roma! Cinzas hão de ser vossa herança; negro é o vosso futuro e o presente queima com as altas labaredas infernais! Seja o palácio de Mecenas testemunha de vossa infelicidade inominável, pois daqui o vermelho rubro de douradas línguas do fogo que vos consome é mais cintilante, e vossos gritos de desespero constante afaga-me os ouvidos!

Queira o deus da cristandade
Salvá-los de seu tão invisível
Trono. Povo tão incorruptível,
Que maldade pode afligi-los ?

Ó Roma, que a vontade das Fúrias possa fechar vossas cortinas de fogo por toda eternidade!

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